Era um gato preto, como convinha a um cultor das boas letras, que já lera Poe traduzido por Baudelaire. Preto e gordo. E lerdo. Tão gordo e lerdo que a certa altura observei que ia perdendo inteiramente as qualidades características da raça, que são em suma o ódio de morte aos ratos. Já nem os afugentava! Os ratos de Ouro Preto são também dignos e solenes – não ria – tradicionalistas… descendentes de outros fatos que naqueles mesmos casarões presenciaram acontecimentos importantes da nossa história… No sobrado do desembargador Tomás Antônio Gonzaga, imagine o senhor uma reunião dos sonhadores inconfidentes, com os antepassados daqueles ratos e passearem pelo sótão ou mesmo pelo assoalho por entre as pernas dos homens absortos na esperança na independência nacional! E depois, os ancestres daqueles roedores que eu via agora deslizar sutilmente no meu quarto podiam ter subido pelo porte da ignomínia colonial, onde estava exposta a cabeça do Tiradentes.! E quando as órbitas se descarnaram ignominiosamente, podiam até ter penetrado no recesso daquele crânio onde verdadeiramente ardera a literatura, com a simplicidade do heroísmo, a febre nacionalista…
Descrevendo seu gato, o narrador remete ao contexto e a protagonistas da Inconfidência para criar u efeito desconcertante centrado no
a) desenho imaginativo do casario colonial de Ouro Preto.
b) efeito de apagamento de limites entre ficção e realidade.
c) vínculo estabelecido entre animais urbanos e literatura
d) questionamento sutil quanto à sanidade dos inconfidentes.
e) contraste entre austeridade pomposa e imagem repugnante. RESPOSTA CORRETA